quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Viagem: Dias 5 e 6 - Marselha -> Faaker See




Ainda antes de acordar, ao longe, ainda ouço duas personagens a chamar pelo Gregório, não vou mencionar nomes, mas salvaguardo a idoneidade da Inês.

O banco de jardim foi uma boa companhia, mas às seis e meia está na hora da despedida.

Decide-se regressar à base, cada um com as suas diferentes razões, inquestionáveis, fazendo a costa espanhola.

Umas voltas em Carry e arredores a saber como se sai dali, procura-se local para abastecer não só as burras, mas também o estômago.

Mais uns 30 km para trás, e pára-se num supermercado para atestar o estômago, as burras, e o saco dos enlatados para o resto da viagem.

Aqui dá-se então a ruptura. O apelo da estrada foi demais para mim, e voltar para trás ficou fora de questão. Pelo menos um pulinho até ao Mónaco, e depois talvez se equacione voltar atrás e ir ter com o pessoal. São meia duzia de km até ao Mónaco, não chega a 400...

Eles voltam para trás, e eu sigo sozinho. São onze e meia da matina.

Primeira vez na vida que pego num mapa com intenção de realmente o utilizar. Vamos lá a ver como é que estas coisas funcionam, já é altura de me fazer homenzinho.

Sigo viagem até Marselha, e é a primeira vez que viajo assim, sozinho.

As ultimas palavras do Capitão ecoam ainda nos meus ouvidos, e fazem todo o sentido para mim. Acho que foi das coisas que me deram mais força para seguir em frente, e ele provavelmente nem se apercebeu disso: "A biker's job is never done."

Sigo para a aventura.

Em Marselha, passo a saída que usámos na noite anterior, e sigo até ao final da estrada. Em vez do Casal Ventoso, deparo-me com um jardim magnífico, um mini Central Park, que recebe os que chegam à cidade. Onde poderíamos ter ficado na noite anterior, bem mais confortáveis. Típico.

Passo pela marina, passo pelo contro da cidade, passo pela cidade toda, que se revela ser bem mais do que os guetos onde andámos ontem à noite. Saindo da cidade, apanho nacionais até à costa, incluindo uma estrada de meter medo até St Tropez, com curvas apertadas, numa serra, sem nada de protecção na berma, só mesmo o precipício... mas mesmo assim, bastante divertida.

Em St Tropez, fiquei algo decepcionado, estava à espera de mais alguma coisa do que a baía de Cascais um bocado mais organizada. Mas pouco mais é do que isso, juntamente com toda a linha marítima da marginal até St Maxime, e com a areia das praias, o espaço nas praias, e os calhaus bem piores do que a nossa orla costeira. Aí paro, e falo com o TeleGPS (aka Coño) a pedir-lhe uma rota do Mónaco até Faaker See, Áustria, em km, só por descargo de consciência , porque devem ser muitos, e se eu não chegar lá até a manhã de amanhã, nem valçe a pena ir. Em Fajus, uma das muitas terreolas ao longo da marginal (equivalente ao nosso Estoril, algures por aí) apanho finalmente a estrada para Cannes.

E aí, sim, fico maravilhado.

Uma subida de montanha tipo Serra da Estrela, com alcatrão bom, curvas qb, e o mar à direita. São uns 30km para se fazer com muita calma, simplesmente a apreciar o caminho, a estrada, a paisagem. Ajuda um bocado a lavar a alma, e a fazer com que valha a pena fazer a viagem nem que seja sozinho. Chegada a Cannes, uma Vilamoura muito bem arranjadinha, muito gira para se dar uma voltinha. Segue-se pela nacional até Nice, outra cidade que eventualmente valerá um dia uma visita mais aprofundada, e chega-se ao Mónaco já ao anoitecer, 9 e trocos da noite.

Mónaco à noite vale a pena. Todo o luxo, todas as luzes piscam por todo o lado, tudo grita turismo e dinheiro. É bonito de se ver. O palácio, o casino, a marina, os bares, os hotéis, os stands da Lamborghini, Aston Martin e afins, tudo tem o seu lugar, e tudo. Depois de uma volta pela cidade, que inclui o famoso circuito urbano de Fórmula1.

Uma cerveja de €6.5 no Bambi, bar do dono da HD no Mónaco, já com a confirmação do TeleGPS que afinal dali não chegam a ser 800km. O que me mete a pensar: é pouco mais do que Lisboa-Jerez, que já se fez várias vezes, e de uma assentada. Porque não?

Ali acaba-se de beber a cerveja e se decide que me vou meter à estrada pela noite fora, atravessar Itália o mais rapidamente possível, para chegar à Áustria a tempo de aproveitar a festa em Faaker See que acaba esse fim de semana. A European Bike Week da Harley-Davidson.

Ponho-me à estrada perto já das dez da noite. Uma hora depois, atesta-se a burra e o bandulho. De novo na estrada até Milão, numa AE surpreendente, com boa curvas, largas, e um sem fim de túneis e viadutos, para mais de cem. Pouco passado Milão, começam a cair uns pinguços. Mesmo a horas de me deitar uma horita ou duas numa estação de serviço, a descansar os olhos e o corpo.

Acordo com o tipo lá de cima a tirar fotografias. Sigo viagem com o céu em ameaço de tempestade, com trovoada durante boa parte da noite. O céu está lindo com os raios constantes durou até Piacenza. A chuva acaba por não cair. Em Brescia, a começar a amanhecer, vejo os primeiros grupos de HD's que se dirigem para Faaker See, tudo italianos. Junto-me a eles para ganhar ritmo e companhia. Até Veneza, vai aparecendo um grupo ou outro de HD's às quais me vou juntando, ora a uns, ora a outros. Mas depois, de Veneza até Udine, e daí para a frente, pareciam enxames, vindos de todo o lado. Mais HD's do que quaisquer outros veículos na estrada, nunca tinha visto nada assim, a não já em Faro ou Jerez. Mas ali, ainda estavamos a umas boas centenas de km de Faaker See...

Já a poucos km da fronteira, novamente entre túneis e viadutos, nos Alpes, começa a dar o sono outra vez. Falta pouco, mas também não faz sentido nenhum arriscar. Uma curta paragem numa área de repouso, e fecha-se os olhos mesmo em cima da moto durante uma meia horita, mais do que suficiente. Acordo com uns borrifos de ameaço de chuva, suficientes para meter a adrenalina a correr, e arrancar novamente.

Na estação de serviço, trinca-se qualquer coisa, sandes que tinha trazido de Marselha, atesta-se a moto, e segue-se para fazer os ultimos km até à Áustria. Entre as paisagens montanhosas deslumbrantes dos Alpes, passo a fronteira, e passo também a placa que dizia Faaker See...

Porra.

Inversão de marcha manhosa, e lá tenho eu que voltar a Itália antes de conseguir inverter a marcha outra vez.

Desta feita, com mais atenção. Os céus estão a ficar negros, a ameaçar chuva novamente.

Sigo as motos até Faaker See, por entre prados verdejantes, e casas típicas. Ao chegar a Faaker See, um sol fabuloso. Todas as nuvens, todos os ameaços de chuva ficaram para trás. Junto com todo o cansaço da viagem, junto com tudo. Sinto-me renovado, estou renovado. As montanhas e o lago fazem um postal magnífico. Mais motos do que eu alguma vez tinha visto estendem-se até onde a vista alcança. A musica dos motores é constante. Sinto que cheguei a casa.

Dou uma volta a tentar perceber como aquilo funciona, e paro no Other Place, bar dos Hell's Angels improvisado ali, do chapter austríaco. A primeira cerveja de muitas. Carota, €3.70, mas de meio litro. E das poucas cervejas boas que bebi fora do país. Tirando o Brasil, não me lembro de ter encontrado cerveja boa sem ser em Portugal. Ah, e Cabo Verde. Era Super Bock.

Depois da cerveja, de dois dedos de conversa com o pessoal, e de apreciar longamente o momento, siga para tentar descobrir alojamento, depois de 2 dias ao relento. Não tanto por causa disso, mais porque o corpo exige um banho, e tendo ficado sem tenda, que seguiu com os viajantes, convém ter um sítio para depositar a tralha, a fim de poder andar por ali à vontade.

Sem grandes esperanças de encontrar alguma coisa, acabam por me indicar uma pensão a dois minutos de moto de Faaker See, a €30. Um achado, nunca pensei que houvesse ainda alguma coisa livre, já que aquele eventu dura já há cinco dias quando eu cá chego...

Depois de alguns zig's quando houvera de ter feito zag's, lá chego à casa. Por fora, até tem muito bom aspecto. Bato à porta. Nada. Dou a volta, bato à outra porta. Nada.

Entro por ali adentro à papo seco, a avisar que estou a chegar.

Nada.

Subo as escadas, à espera de ver um austríaco de caçadeira em punho a pensar que lhe estou a assaltar a casa.

Nada.

De um dos quartos oiço uma tv, e bato à porta.

Sai-me lá de dentro um velho austríaco, de cigarro ao canto da boca, bêbado até à quinta casa, a falar estrangeiro comigo. Eu não falo estrangeiro. Ele não fala lingua de gente, nem inglês.

Mas pelos vistos, tal como a musica e as motos, a linguagem do álcool também é universal, e acabamos por nos entender (acho). €30, e um quartito sem casa banho, mas com uma cama, menos mal, e uma vista fantástica sobre o lago.

Um banho, largar a tralha, e siga para a festa, que se ouve ao longe, da varanda...

Agora, o encontro:

Quem já foi a Jerez, tente imaginar Puerto de Sta Maria em fim de semana de MotoGP. Mas com motos em vez de tupperwares por todo o lado. Sem as parvoeiras de rateres e burns a cada esquina. Com musica que vem dos motores das Harleys, em vez dos guinchos histéricos dos tupperwares.

Agora, troquem Puerto de Sta Maria, uma terreola que até é engraçada, por um lago enorme, lindíssimo, ladeado por uma estrada com 10km de perímetro, exclusiva para motos, só com um sentido. Tudo num vale, com montanhas à volta. à beira dessa estrada, a organização de tudo, as tendas enormes, as ruas com tudo e mais alguma coisa. Não consigo ter palavras suficientes para descrever tudo, e as fotografias não fazem minimamente juz à realidade. Só tenho pena de só poder aproveitar dois dias daquilo, que não vai dar para ver um terço de tudo. Mas vai valer bem a pena...

Entretanto, estou em contacto com os outros viajantes, que chegaram a Barcelona, ou arredores, e banham-se na piscina do parque de campismo.

O resto da manhã, tarde e noite é para apreciar devidamente o ambiente, amanhã logo tiro fotos disto tudo.

Noite adentro, motos, cerveja e musica, dois dedos de conversa aqui e ali, e algumas voltas ao recinto.

Por volta das sete da matina, entro no meu quarto aos SS's... Cerveja boa!!!

Há uma semana a dormir no chão e em bancos de jardim, já nem sabia o que era uma cama...

Ao chegar a Faaker See, tinha feito desde Marselha, 1201km.

Um total de 3250km.

Em Faaker See, às voltas no recinto, fiz mais 58km. Sendo o perímetro de 10km, mais coisa menos coisa, se quero ir 500m para trás, tenho que fazer 9,5km. Que faço com prazer, faz parte da festa, e aquela estrada nunca cansa.

Acabo a noite (dia?) com um total de 3308km.

Jardim à entrada de Marselha

Stand Ducati nos subúrbios de Marselha

Stand Ducati nos arredores de St Tropez.
Descubra as diferenças.

Estrada até Cannes

Nice ao anoitecer

Mónaco, depois do circuito

Hotel no Mónaco

Para quem se queixa da confusão da 25 de Abril:
Saída da portagem a chegar a Veneza, pela manhã

Estação de serviço perto de Udine, onde se vende aparentemente, de tudo...

Tempo a chegar à Áustria

Alpes

Já na Áustria, a placa com o destino final, e o tempo prometedor

Já instalado, foto artística

Primeira cerveja, no Other Place

Vista da varanda do quarto, já com bom tempo. Parece que ainda hoje quase oiço os motores lá ao fundo quando olho para esta foto

Amostra do ambiente

Exercício de narcisismo às sete da matina, a caminho da caminha

3 comentários:

José Cardona disse...

Bem, chavalo...
Mas que desorganização vai por aqui!
hehehehehehehe
Como é que conseguiste chegar a casa?
Então vossemecê não usa mapas nem gps? Não planeias as etapas da viagem antes de sair de casa? E tens colegas de viagem que te abandonam a meio? Queres que te empreste a caçadeira e a caixa de zagalotes? ;)

És pior que os ciganos romenos, pá!

Tou a curtir à brava os teus relatos, keep up the good work!

(foi pena não teres ido visitar a H-D em Frejus, ias passar-te da marmita com as transformações deles!)

Décio disse...

Ir para onde nunca se teve é bom. De mota é melhor. A solo é perfeito.

Boa!

Anónimo disse...

Epá!!Bebeste uma jola num bar chamado Bambi??!!??