segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Dia 3: Soldeu - Carcassonne?


Acorda-se mais ou menos cedinho (mais pró menos que pró mais) e siga para uma banhoca para retemperar forças, daquelas demoradas, que soube que a pato. À saída, destói-se ireemediavelmente a cortina da casa banho que não tinha mais onde me agarrar. Arrumam-se as cousas, segue-se para a sala fumar um cigarrinho e matar saudades da TV nacional, que aqui há TV Satélite portuguesa, enquanto se espera pelo Matos e Denise que se despachem a tomar banho. O que acaba por não acontecer, porque um Matos desvairado entra pela Sala adentro, depois de se espalhar ao comprido na casa de banho porque alguém teria deixado o chão todo molhado,  a reclamar que alguém tinha acabado com a água quente. Culpa-se um pardal que por ali passou, e seguem eles só com um rápido banho checo.

Pequeno almoço, espreita-se o tempo, que começa a não estar muito convidativo, e ainda temos oportunidade de ver passar um rally de carros antigos. Dá para admirar umas máquinas fantásticas de tempos idos enquanto se saboreia provavelmente a ultima superbock da viagem, pelo menos até ao nosso retorno a terras lusas.

Atestam-se os veículos na mesma bomba que ontem escolhemos não atestar, não vá o Diabo tecê-las. Os ameaços de chuva tornam-se em chuva, mesmo. Convencidos que é água de pouca dura, deixam-se os fatos arrumados, não vão eles molhar-se e depois era uma chatice. Dado o estado do terreno, e uma vez que já tínhamos feito a estrada de serra ontem, decidimos desta vez desembolsar 6 euritos cada um e seguir pelo túnel até Paz de La Casa, quanto mais não seja para fazer um percusro diferente. Uns 5km a andar debaixo da montanha e chegamos ao primeiro destino. Do lado de cá do túnel chove com fartura, ainda bem que temos os fatos de chuva bem protegidos dentro das malas...

Passeia-se um bocado pela terreola, entra-se numas lojas de motos e outras, traz-se uma aranha que é capaz de dar jeito, e abala-se para o próximo país, França espera-nos, assim como a polícia fronteiriça para me ficar com o tabaco em excesso também.

A medo, lá nos safemos todos, e passamos para a Gália incólumes. A chuva abandona-nos na fronteira, fica toda em Andorra. Os Pirinéus são mais um conjunto de estradas indescritíveis, que só não dão para aproveitar na sua plenitude por causa do piso meio húmido, e das camionetas que teimam em se meter à frente e abrandar nas melhores curvas. Ainda assim, a vista é fantástica, faz-se a passo para apreciar tudo ao máximo. Aponta-se para Carcassonne, evitando autoestradas, o que nos leva por estradas de curvas e praticamente desertas, algumas quase caminhos de cabras, mas que valem cada km percorrido. Uma pequena paragem em Belcare, num tasco junto a uma agência funerária, atesta os aventureiros de martini e dá-se também cabo de uma garrafa de Mateus Rosé. Um pequeno reforço a meio da manhã, com uma sandocha também.

Ala para Carcassonne, com intuito de visitar a vila dentro das muralhas. Chegamos bem mais rápido do que estávamos à espera. Um provável erro de cálculo nos planos iniciais previa cerca de 500km de Andorra a Carcassonne, mas ou apanhámos um atalho, ou fizemos porcaria no planeamento, porque afinal não chegava sequer a 200. antes assim, estamos menos atrasados do que inicialmente pensávamos... Já em Carcassonne, inicia-se a procura pela vila dentro das muralhas. Para nossa sorte, um casal de ingleses que as motos estavam a bloquear vão também para lá, e felizmente conseguem localizar o castelo no GPS. Porreiro, é só seguir atrás deles. Bendita tecnologia. Atravessamos toda a cidade, e acabamos por ir ter ao parque de estacionamento do Hospital local.

Maldita tecnologia.

Despedimo-nos dos ingleses, ainda a tentar perceber o que lhes aconteceu, a imaginar que o castelo não se deveria parecer tanto com um Hospital, e seguimos por nossa conta e risco. O que não foi muito arriscado, porque em menos de cinco minutos conseguimos dar com aquilo. Estacionam-se as motos, e vem a primeira má notícia. Ao ligar para o Venâncio, a perguntar por onde é que o grupo deles andava, recebo a informação de que está no hospital, havia-se espalhado com a burra ainda em Espanha, e o prognóstico não era nada animador. Para a burra, porque tanto ele como a compnheira estavam bem, muito graças ao completo equipamento de protecção que levavam. Ficaram só com uns amassos. Olho para os meus braços desnudos, que tenho andado só de colete à campeão, e tenho um arrepio. Um desejo de melhoras, e segue-se para visitar o castelo.

Dá-se umas voltas, fazem-se umas compritas da praxe, vê-se as vistas, e decide-se seguir caminho, ainda é cedo, e temos muito km para recuperar. Hoje pela primeira vez passamos o objectivo proposto pela manhã. Mas ainda estamos longe de onde devíamos estar...

Ficamos com a ideia de que talvez os enlatados que comprámos ainda em terras lusas talvez saibam melhor se estiverem quentes, e pára-se num supermercado para comprar um fogão de campismo. A próxima paragem vai ser para almoçar, um piquenique, haja um parque de merendas ou algo parecido.
Numa rotunda próxima, perfeito: umas mesitas de pedra no meio da relva, à beira dum riachozito. Muito convidativo. Soltam-se as latas, prepara-se o fogão, acende-se o lume, começa a chover. Timing perfeito, estava a demorar. Come-se à chuva. E verifica-se que os enlatados continuam a saber a bosta mesmo depois de aquecidos. Dá para forrar o estômago e pouco mais. Salva-se a fruta. Mental note: da próxima vez, esquecer os enlatados. E ainda tenho uns bons kg daquilo na moto...

Meio húmidos, lá nos metemos nas motos, a apontar para que talvez consigamos chegar praí a Toulon hoje. Pára de chover. Em Berzier, umas horitas e uns kms depois, numa rotunda, ohamos para o horizonte em que nos vamos meter. O céu carregadíssimo, quase negro, apesar de serem umas 4 da tarde ainda. Ameaçador. É mesmo práli que vamos? Pois... E que tal desembrulhar os fatos de chuva? Ná, dá muito trabalho, e afinal, há-que ter fé...

Pois...

Andamos 30km inteiros até começar a cair uma carga d'água infernal. Mas corajosos, os cavaleiros do asfalto prosseguem, felizes por terem feito a opção certa de manter guardados os fatos de chuva, porque assim eles não se molham. Só nós. Encharcados até aos ossos.  Numa via rápida, à procura de uma estação de serviço onde nos possamos abrigar só um bocadito. E meter gasolina, já agora.

80. Um número redondo. 80. São 80 os km que rolamos debaixo duma intempérie brutal, numa estúpida via rápida sem uma única área de serviço. Foram 80. Um número que cedo não vou esquecer...

Até decidirmos sair em Montpellier, na unica indicação de área de serviço em 80 km. Sim, 80km. Estes gauleses são loucos. Chegados às bombas, pelo menos abrigo temos, porque gasolina parece que temos azar, aquilo apesar de ter lá o funcionário, não aparenta estar aberto. Eis então que o Matos solta uma das suas pérolas, e pergunta ao funcionário se aquilo vai "fecher". Felizmente tínhamos uma francesa no bando, e a Beta passa a ser a nossa comunicadora oficial com os habitantes locais. Ao decidirmos ficar mesmo ali por Montpellier, a Beta indaga sobre hotéis. Boas notícias. Há práli um porradão deles a dois km, é só escolher. Enche-se de óleo o depósito de embreagem da RoyalStar, que parece que anda a verter pelo caminho. É uma Yamaha, afinal... Deixamos os fatos de chuva guardados, não se vão eles molhar agora por dentro e por fora, e siga à caça de poiso. Depois de umas voltas à lá barata tonta, lá damos com um hotel. Cheio. Não há crise, vamos até ao próximo.

Se a Harley pegar, pois claro. Parece que se calhar não gosta de água. Mas com um pequeno empurrãozito lá vai. Siga até ao próximo hotel. Uma zona onde até há dois, um Fórmula 1 e um Novotel. Se não houver quartos num, concerteza haverá no outro.

Ou não.

Não há crise, vamos à caça de outro. Se a Harley pegar. Que não pega. Boa.

Decide-se não arriscar muito, e segue a Beta com o Matos à procura de um quartito, já que ele tem a unica moto funcional, e ela é a unica que consegue comunicar com os habitantes locais, mais nenhum de nós fala estrangeiro daqui. Eu e a Denise abrigamo-nos da chuva, eles que se molhem.

Quase uma hora depois, lá chegam os dois caçadores de hotéis. Sem terem caçado nada. Parece que com uma convenção de empatas em Montpellier, mais os trabalhadores sazonais da época das vindimas, acabámos de ficar agarrados. São onze da noite entretanto, e a chuva não pára. Debate-se o próximo passo, e decide-se mesmo com a água acair, sair daquela malfadada terra, e seguir viagem, em busca de um qualquer hotel à beira da estrada. um empurrãozito maior, a Harley lá pega e siga pra bingo, em frente, que atrás vem gente. Começa-se a suspeitar que o problema da Harley talvez não seja só água. Desligam-se as luzes auxiliares, pelo sim, pelo não.  Já são entretanto onze e trocos da noite, começa a ficar tarde.

Pelo caminho, mais meia dúzia de hotéis à beira da estrada, já cada vez mais longe de Montpellier, mas a resposta sempre a mesma: cheio.  Ou então, na maioria dos casos, nem resposta há, porque a recepção está fechada. Em cada um deles, nem me atrevo a desligar a moto sem haver resposta. Como é sempre negativa, está sempre a trabalhar.

É quase uma da manhã, a chuva cai copiosa e impiedosamente, raios e trovões à nossa volta, uma tempestade brutal. Ainda bem que continuamos com os fatos de chuva bem protegidos. A estrada é escura e sinuosa, e a minha luz começa a desvanecer-se. Num ímpeto de inteligência, para ver melhor, resolvo ligar novamente os faróis auxiliares para ver melhor. Vejo melhor. Durante quase um minuto inteiro, até ao momento que a moto quase vai abaixo por falta de energia. Boa. Rapidamente desligo os auxiliares, a moto quase não tem potência, quanto mais luz...

Num último rasgo de sorte, mais um hotel à beira da estrada. Sem luz, tudo fechado, mas tem mesmo que ser aqui, que a gaja não anda mais. É uma e meia da manhã. O hotel tem um telheiro convidativo, debaixo do qual há uma esplanada com alguns locais na amena cavaqueira a beber uns copos. Pergunta a Beta se o hotel tem quartos vagos, ao que respondem que não acreditam muito, mas que o melhor é perguntarmos ao dono. Que sai de dentro de uma porta ameaçadoramente brandindo um bastão, em resposta aos malucos das motos, provavelmente ladrões que lhe estão a invadir o terreno àquela hora indecente.

Desfeitas as confusões, graças à nossa poliglota gaulesa do bando, lá nos explica que efectivamente quartos disponíveis não há, mas que se quisermos passar a noite ali debaixo do telheiro, na esplanada, que estamos à vontade. Olhamos para a tempestade cada vez mais furiosa, com raios de todos os lados a cair, e aceitamos com um agradecimento. Vai ser este o nosso poiso para esta noite. Simpaticamente, os locais que estão agora a abandonar o local, oferecem-nos a meia garrafa que sobra do que estavam a beber. Agradecemos, e a Beta atira-se logo àquilo, a dizer que àquela hora e naquelas circunstâncias, bebe qualquer coisa. Puro engano, mais uma vez. à primeira prova, o sabor estranho mas estranhamente familiar da bebida faz com que cuspa fora. Um olhar mais atento à cor verde, uma puxadela de olfacto no copo, e o diagnóstico é inequívoco: os gajos estão a embubadar-se com Tantum Verde!!!

Definitivamente, estes gauleses são loucos...

Salve-se as garrafitas de Jack Daniels que eu trouxe para aquecer a malta!

Um telefonema para o meu salvador do costume, o sempre disponível Coño, para que me busque uma oficina da Harley nas redondezas, que será o nosso destino de amanhã, seja lá onde for. Enquanto se aguarda pela resposta, amena cavaqueira, uns tragos de Jack Daniels, a preparação dos sacos cama para uma noite confortável, e a descoberta de um intruso no nosso quarto: Um lacrau com um palmo, mas só com uma pinça deambula por ali, à espera de trincar algum de nós. Com pena do bicho, só o afugentamos. Várias vezes, porque ele parecia gostar da nossa companhia...

A resposta do Coño chega por volta das quatro da matina: a 80km dali, em Avignon, há uma Harley. Seja. Avignon é para onde vamos amanhã.

Por hoje, é tentar dormir e secar ao relento.

Foram cerca de 400km hoje. Não foi mau de todo. Viemos parar a Algures.

Amanhã há mais.


 Uma casa de banho destruída
 Mais Photoshop, o Matos é um artista
 Primeira paragem em França
 O tempo a começar a ameaçar
 Carcassonne




 O Repasto
A Sala da nossa Suíte 5 Estrelas
A garrafa que juro a pés juntos ser Tantum Verde 


Os quartos da nossa Suíte
 O nosso amigo Lacrau, a ver se estava tudo bem connosco

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